Triângulo das águas é meu livro preferido do autor
O dia tinha sido difícil. As dores da perda não são do tipo que se apaga com o passar do tempo. A gente apenas começa a dar novos nomes a ela: saudade, falta, inspiração, culpa… até que consigamos nos acostumar com sua constante e teimosa presença. Cansada de ouvir das pessoas que “tudo vai ficar bem”, quis ficar sozinha. Por companhia, ao lado do travesseiro, um livro com a capa lilás, de uma edição pocket da L&PM, com um título que acho lindo.
Abri aleatoriamente numa das páginas centrais e as letras gritaram para mim:
Abraça tua loucura antes que seja tarde demais – ele disse, e seus olhos tinham a cor do mar. Tinham a cor exata de quem por muito tempo, todas as horas, todos os dias de muitos meses e anos, olhou detidamente o mar, acompanhando o voo das gaivotas, interrompendo-se em rochedos, nivelando-se ao movimento incessante das ondas.
A minha edição de Triângulo das águas é de capa simples, com marcas de uso e cheio de frases sublinhadas a lápis. Esse trecho ganhou também a sua marca. É meu livro de cabeceira. Leio e releio sempre que posso. Faço até carinho na capa ❤
Triângulo das águas

No prefácio dessa edição, que é revista de 1984, o próprio Caio escreveu: “De todos os meus livros, Triângulo das águas é certamente o mais atípico. Eu simplesmente posso dizer que não o escrevi: fui escrito por ele”. Talvez, seja a mesma impressão que chega ao leitor, a de que está sendo lido ao invés de ler.
São textos carregados de sensibilidade e intensidade – como toda a obra do Caio – mas fiquei com a impressão de que são textos móveis, que apresentam um enredo mais sensível no que diz respeito a relacionamentos pessoais e interpessoais. Um certo tom místico se dá pela influência da astrologia no livro. Os três contos que compõem a obra são guiados pela influência astrológica dos signos regidos pela água, peixes, escorpião e câncer. Não, o livro não fala diretamente sobre aspectos comportamentais e signos. Mas as atitudes dos personagens, os relacionamentos e o desenrolar dos argumentos exalam um perfume em comum, uma ligação de sentimentos.
Os contos são: Dodecaedro, O marinheiro e Pela noite.
A ideia aqui não é fazer um resumo do livro, porque a intenção é que vocês leiam ou compartilhem o que acharam das leituras. Vale dizer que o Triângulo das águas é um livro doce, com personagens lindos e misteriosos, do tipo livro marcante, desses que a gente carrega um pedaço para o resto da vida, sabe?! É como se o livro quisesse te dizer algo sobre ti mesmo e te ensinasse algo sobre ser mais humano. Eu ia comentar que ele pode ser um pouco autobiográfico, através de personagens, histórias, chás… Mas lembrei que o Caio sempre deixa muito de si nos contos, é sempre um pouco da vida vida dele também, seja a vida de fora ou a de dentro.
Sou muito fã do Caio! Leio tudo que ele escreveu e tudo o que é publicado sobre ele. Os textos dele, que é nascido em Santiago, interior do RS, vão além da construção literária. É como se ele soubesse conversar com o íntimo mais íntimo de cada um em particular. A escrita dele, sempre pessoal e intensa, desnuda as armas da moral e revela aos leitores coisas sobre eles mesmos. É uma literatura-verdade, “entre o denso do vidro e o suave da hortelã recém-plantada”…
Escreverei – apaixonadamente – muito sobre o Caio. Acho que era assim que ele escrevia: apaixonado, intenso, sincero, direto. Se, por acaso, você nunca leu algum conto do Caio, é hora de começar.

Para saber o que acontece na atualidade sobre o Caio F., indico a fanpage da Associação Amigos do Caio Fernando Abreu (AACF), da qual sou sócia.
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